domingo, 5 de setembro de 2010

Cura .

Ela acordou e descobriu que estava tão só, que sua essência havia ido embora com todo mundo.
Desesperada chorou mas, as lágrimas não  saciavam as perdas, tornaram-se funcionais, chorava porque não havia motivo para sorrir, mas, não lembrava-se qual era a razão principal que a motivava a chorar. Apenas molhava os cabelos, a roupa e os olhos inchados e sem cílios ficaram tão acostumados a agressividade ácida de sua dor.
Olhava o espectro no espelho, sentia o peso do corpo e todo seu vazio de barro, como uma obra mal-feita e abandonada e retornava ao habitual choro.
Chorou por segundos que transformaram em meses. Chorou em madrugadas eternas onde a Aurora recusava-se a lhe estender a mão.
Chorava silenciosamente no inicio e conforme as gotas preenchiam o buraco na alma, chorava como um animal ferido, encolhido no chão em posição fetal e quando alcançava o limite, perdia a voz e voltava aos soluços até o silencio fora e dentro ecoasse a partida de tantos e ninguém.
Certo dia cansada do espelho, do silêncio, do chão gelado e da indiferença resolveu dar uma volta e ver se havia vida lá fora.
Andou sem compromisso, sem perceber absolutamente nada e seus olhos foram enchendo-se como em um recipiente que ficou pequeno demais para conter tanto volume e derrama.
Na terceira ou quarta esquina, ela estancou e fechou os olhos preparada para se trancar em seu mundo e voltar para o quarto, quando se sentiu acariciada e desejada por milhares de mãos que sussurravam em seus ouvidos, sem nenhuma expressão que palavras terrenas poderiam explicar. O medo de acordar deste sonho sublime após tanta dor, era imenso. Entretanto, reuniu o pouco de coragem que havia sobrado em algum lugar que ela nem imaginava e abriu os olhos. Não havia ninguém lá. Desesperou-se e acreditou ter enlouquecido. Cruzou os braços abraçando-se e começou a andar depressa, virou a direita, desceu três quarteirões, mais cinco à esquerda e caiu na calçada após chocar-se com alguém.
Ficou envergonhada, já havia desaprendido a falar e balbuciou timidamente:
- Desculpe...
Ninguém respondeu e no auge de sua ousadia olhou para cima e viu uma profusão de cores, pasmou-se. Vinha de um mundo onde não mais existia matiz, apenas escalas cinzas e suas possíveis variáveis. Um momento de tempo incontável até se dar conta do que estava fazendo, levantou e limpou-se, ia continuar seu caminho todavia, não sabia nem como havia chegado naquele santuário. Foi em direção até um banco, tirou os sapatos e deixou que a grama brincasse com seus pés, sentiu o orvalho de cada folha e seu corpo parecia absorver cada experiência.
O vento voltou a lhe acariciar com suas mil mãos e falar ao ouvido, a flamboyant acalentava seus olhos tão machucados, curando-os através de suas cores e frondosa copa. Como uma mãe a proteger um filho e finalmente houve uma pausa em sua dor.
Sentiu o calor do sol aquecendo sua pele, a brisa enamorada a lhe falar segredinhos, a flamboyant deu-lhe algumas flores e os pássaros entoavam a canção para o seu despertar.
Ela viu que havia vida lá fora, aprendeu a sentir o amor de outras formas e encontrou-se em momentos detalhados de encantamento.
Suas dores continuaram, mas, todos os dias ia visitar seu paraíso e a procurar lugares onde a vida estivesse disposta a lhe encontrar, até o dia em que não doía mais nada, encontrou-se.

"...O essencial é invisível aos olhos..."

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