domingo, 29 de março de 2015

Locomotiva .

Andava com uma mala e o coração nas mãos. Um semblante triste naquele rosto singular envolto de cabelos cacheados louros delicadamente ocultos em seu chapéu.
Traços delicados e olhar forte contrastavam com toda a obra. Moça esguia e miúda, não mais que o tamanho de um colibri.
Com suas mãos tão pequeninas e suaves, carregava o peso de uma vida por aquela plataforma na forma de um bilhete.
Uma vida que não era para ser vivida.
O relógio sempre consultado. O tempo é um espaço imensurável à aqueles que têm pressa.
Não há volta para os que partem, os avisos soltos pelos papeis que voam pelas plataformas, os sorrisos calados em fina boca e as lágrimas evaporadas no meio de tanta confusão.
Os ferros batiam uma nova melodia para o seu futuro, rápidos e fortes como as batidas que reverberavam em sua cabeça.
Olhos baixos, sapatos impecáveis e aquela sensação sufocante. Toca o chapéu cobrindo parte de seus olhos metálicos e entre um suspiro engole o desejo de voltar-se de costas à espera de um grito de esperança.
Sempre envolta de coletes, salvando sua pele contra as inúmeras investidas do destino, não importaria quanto a bagagem supera o peso consideravelmente permitido, seus braços eram fortes para mantê-las em pé.
Embora aquele dia em especial estava tão fraca que quase perdeu seu equilíbrio quando suas tralhas despedaçavam-se no chão como um quebra-cabeça colorido atrelados às suas viagens.
Abaixou rapidamente para colocá-los nos bolsos e levá-los consigo para onde fosse, até que pudessem enterrá-los ou entregá-los ao mar. Seu casaco não comportava tantas peças e suas mãos trêmulas não conseguiam organizá-las para otimizar o espaço.
Um lenço branco acompanhado de uma mão gentil procura auxiliá-la em seus enigmas e surpresa não contesta e não compreende.
Ele sorri francamente desconsertando seus compassos e ela sorri, Limpam suas vestes e caminham para um café, ele também está de passagem, trocam olhares e inquietações, os laços estreitam e os trens chegam em suas devidas paradas para novas partidas.
Ambos com bilhetes em mãos dadas, rotas diferentes
Desenlaçam seus dedos e dão passos oscilantes, caminham de costas e ao tocarem o terceiro degrau correm para trocar suas passagens para o próximo horário enquanto não sabem para onde aventurar-se.
Bagagens e bolsos vazios foram despachados, entre algumas palavras e borboletas eternizam a plataforma até as próximas estações.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Fly.

Eu voaria todos os dias mais alto. Voaria de sorriso em sorriso como uma abelha a polinizar minha vida. Voaria leve como um dente de leão nas minhas lembranças.
Não sou dotada de asas, mas não estou destinada a cárceres, pertenço ao vento e ao fogo, quero a liberdade para mudar as formas, os rumos e abrasar ou não todos os minutos dos meus dias.
Posso voar pelos encantos de "pessoas pássaros", mas não consigo conviver com gaiolas castrando os versos e oxidando meus sonhos.
Vamos voar e sentir cada célula pulsar alegria!

quarta-feira, 18 de março de 2015

Ouro de tolo.

versos de Vênus
vazios como as nuvens
consomem as palavras
que prenderam-se nos pensamentos

no seio da vida
escorre o fel das paixões
cegos percorrem as correntes
dos espelhos inversos

as ostras envoltas de musgo
produzem caleidoscópios valorizados pelos egos
a ganancia retira a beleza das gotas de suor
exaure a transparência das brisas.

poetas mortos não enobrecem o passado
melodias desaparecidas encantam os pássaros
a escassez de humanidade nas pedras[frutificam os homens
surdos ao apelo, avançam  como deuses.

só és impossível (,) o primeiro passo
as cavernas cardíacas repletas de estalagmites
construindo deformações artísticas criadas por lágrimas
o calar noturno transporta os odes que não mais surpreendem

segunda-feira, 2 de março de 2015

Agridoce .

Vulnerável, frágil como um pássaro que anseia pelo voo e esta aprisionado pelas grades!
Acostumado a esta vida não esperava encontrar luz em tão belos olhos e doce sorriso.
Surpreendido ao descobrir seu interesse em suas asas acinzentadas e compreensão de seu cárcere.
Não pediu nada e também não prometeu.
Apenas sorriu, tombou a cabeça ligeiramente para a direita, olhou com tanta intensidade que o desnudou e o rubor invadiu seu bico.
Ao partir inflou o peito e cantou um ode a esta alegria ao contemplar tão longe e tão próximo. 
Quase pode sentir o calor dos afagos.
Pobre pardalzinho que mesmo livre tem o coração pesado. 
Corrente física já não o prendia e em desalento constante vivia, aprisionando suas piruetas aos ventos. 
Ó sentimento que lhe encantava e consumia, platônico piar, estes doces momentos e a impossibilidade de planar são como efêmeras gotas de orvalho.
Este amor holístico nunca será esquecido:quando o pequenino pardal se apaixonou por um menino de tez agridoce e um tanto perdido.