terça-feira, 7 de agosto de 2018

Nume .

Andava distraído por caminhos desconhecidos quando ouviu uma leve canção e sentiu-se atraído como nunca havia sido, resistiu e prosseguiu seu caminho, sentindo esvaído, quebrado e sem compreender o que aquela música significava.
Entrou em um estado de angústia indescritível como definiu para si e rolou pela cama e cômodos com a mente em combustão por aquela melodia. Como sete notas enfeitiçavam seus pensamentos?
Mal raiava o dia e já estava pronto para percorrer os mesmos locais a procura daquela sinfonia tão sedutora.
Passou o dia a procurar e o único canto que ouvia era sua mente dizendo o quão insano estava, nada encontrou e novamente entrou em estado de angústia.
Este ciclo permaneceu por um longo tempo, onde foi ocupando a mente, enchendo a alma de cores e ensurdecendo-se aos encantos...
Passaram-se anos e andava distraído por caminhos que já conhecia quando ouviu uma leve canção e sentiu-se atraído como já fora um dia, só que desta vez mais intenso do que podia se recordar, balançou a cabeça e pensou:
- "De novo não!"
Não podia conter suas pernas que caminhavam nervosamente em círculos enquanto seus olhos percorriam suas memórias atrás de um alívio, recusava-se a aceitar esta harmonia incandescente em sua mente, mas ao dar-se conta corria pelo bosque sem direção específica, apenas a batida do coração como uma bússola ditava os passos, a mágica percorria cada célula de seu corpo e nunca se sentiu tão vivo em toda sua existência.
Tropeçou em algumas pedras, mas encontrou a voz que lhe guiava e suspirou, como era linda, delicadamente esculpida, como um anjo, sentiu-se culpado ao observar, pois parecia até um pecado contemplar. 
Ela o encarou e seus olhos reluziram com uma ardência que assustava e envolvia, seria aquilo um aviso?
Graciosamente ela movia-se e continuava a cantar sem mover os lábios, quando se aproximou a divindade sorriu e o coração do homem paralisou por segundos, sua respiração cessou e apenas admirou, não ousava se mover.
Quando a Nume percebeu que o tinha em sua pujança, inclinou a cabeça, jogando os cabelos prateados para trás e com um efêmero movimento atravessou o tórax daquele rapaz e sentiu seu coração que estava paralisado acelerar, nenhum farfalhar de folhas, apenas sua risada cristalina que ainda parecia uma valsa para bailarinas, prensou entre seus dedos e sentiu escorrer o sangue jovial, ela elevou-se no ar com ele e iluminou-se, sua voz ganhou potência e era possível ouvir os ecos daquela silfídea em quilômetros, quando nutriu-se de cada centelha humana, soltou e o corpo caiu por metros até perde-se nas entranhas da selva. Os animais se encarregariam de desmaterializar aquela criatura que servira seu propósito.
O Nume bailava com sua energia pulsante e desaparecia em seguida com a brisa que ia ao norte em busca de novos amores.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Alice .

Ela dizia que eu colecionava histórias de amor, conquistas sem glórias e que não precisava disso...
Olhava aqueles olhos negros no espelho e a sensação de estar perdida invadia, eramos distorções e qual era o reflexo, afinal?
Como uma Alice procurando seu caminho, desfilando por entre desconhecidos e um chá, perseguia meu destino entre novos corpos, vários sorrisos e expressões que nada significavam.
Cada vez que um estilhaço de coração partido caia ao chão, prosseguia minha caminhada, aprendeu a andar e guardar, passar a mão pela face e partir.
Não há nada a se fazer neste momento.
O problema de ser um errante é que há muitas bifurcações e desta vez a dicotomia estava em mim. 
Não sabia que caminho seguir e sentou-se numa rocha, acendeu um cigarro e se questionou por um longo tempo.
Não sabia quem era ou o que deveria fazer. 
Esgotara o sarcasmo com sorrisos amarelos solitários.
Precisava se mover, mas ainda não decidira qual caminho seguir, então resignada com sua impotência mediante as escolhas, caminhou pelo meio, nem lá e nem cá, seguia paralelamente ambos e assim não lidava com nenhum, mas também não vivenciava plenamente nada, nem a si.
Ao escurecer abraçava suas pernas e cantarolava baixo para espantar os maus espíritos.
Não havia um coelho branco a seguir, apenas imagens deleitáveis que revelavam-se a medida que o coração acelerava e boca seca engolia os pedaços que outrora perdera no trajeto.
Qual mão pegar? Qual caminho depositar os seus sonhos?
Ainda perdida prosseguiu, como seria possível optar?
Ouviu novamente aquela risada e uma voz que ecoou pelo bosque: 
" - Você coleciona histórias de amor..."
Sacudiu a cabeça e pensou consigo:
" - Não sabes que a única história possível era com ela?!"
Os olhos endureceram, passou a mão pela face e partiu sem encolher-se.
Resolveu escolher-se.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Escorpiana .

Ela tinha olhos tão negros quanto a noite e ao encará-los sentiu seu coração ruindo.
Sentaram ao lado de uma pequena fonte, pediram uma cerveja e acenderam os cigarros, sabiam que em breve haveria conversas complexas, era necessário falar.
Riram do passado e percebeu quanta falta sentiu daquela menina, tudo nela era lindo, a voz suave, o sorriso tímido, os trejeitos ao balançar a cabeça em negação cada vez que ouve um elogio e a maneira que colocava o cabelo atrás da orelha era exatamente igual a década anterior onde tudo começou...
Estava de pé fumando um cigarro, pouco interessada nas pessoas que tagarelava quando a viu sentada no trailer pouco acima de onde estava, paralisada observou a maneira como ela sorria e falava, precisava se aproximar.
A sorte estava com ela e uma de suas companhias a conhecia, saíram para fumar um cigarro e com o coração em saltos prosseguiu ao lado tragando profundamente e absorvendo cada detalhe daquele olhar que era como um céu estrelado.
Tão delicada era que mais parecia uma boneca de porcelana, mas nela havia uma força que emanava das suas cores, era possível perceber algumas tatuagens desenhando sua pele.
Era hora de se despedir e com um breve aceno a menina voltou para o lado do namorado.
Passou dias pensando naquela garota e em como a encontraria.
A rotina tomou sua forma e algum tempo depois mudou para casa de uma amiga e para sua surpresa na esquina aquela menina morava.
Com o tempo tornaram-se próximas, conversavam sobre suas aventuras e bagagens que as vezes pesavam como bolas de canhão a romper o tórax e explodir em lágrimas.
Cada vez que se encontravam havia aquela euforia, um quase tocar e sempre partir, desejava-a e nada dizia, calava-se.
Assistiu os vários romances que a garota protagonizava e como boa expectadora apenas assistia, pessoas indo e vindo, o coração cheio e a boca seca, não conseguia alcançá-la, apenas observar...
Piscou algumas vezes e todas as lembranças foram se esvanecendo e voltou a olhá-la ali diante de si, esticou a mão e se tocaram.
Sairam do bar entre sorrisos e a levou para uma estrada escura, desceu do carro e a convidou para ver o céu que estava espetacular. Ela notou alguns cometas passando e ficaram em silêncio, lado a lado, encostadas no carro e de mãos dadas.
As estrelas brilhavam forte e os corações aquietavam-se.
Estavam em paz.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Framboesas .

Estacionou o carro e acendeu um cigarro, deixou o rádio ligado tocando qualquer coisa, pois não assimilava a letra, apenas a melodia embalava sua alma que apreensiva esperava.
O trânsito nunca fora tão interessante e a espera parecia eterna.
Devagar o ônibus parou e as portas abriram, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram... Um clima magmático surgiu e voltaram ao interior do carro.
Conversas rápidas surgem para esvanecer o nervosismo e seguem sem rumo explorando a cidade em busca de um café.
Sentam-se com o cardápio em mãos numa conveniência precária, as folhas caem pela mesa e entre o desespero contido escolhem seus respectivos desejum. Um café vienense, nome pomposo para um café doce com leite e canela e um macchiato para outro que espera que o desperte daquela letargia que adormece seus dedos.
Olhares fixam-se e examinam cada expressão, os ouvidos absorvem os timbres e palavras e no meio deste enlevo a xícara pende e seu líquido espalha-se pela mesa com uma queda que demora a ser percebida.
O peito se oprime com o deslize, mas a suavidade do sorriso dela tranquilizam seu pavor.
É fascinante observá-la, encantava-se por cada detalhe, sorvia avidamente os segundos compartilhados.
Era impossível acreditar que estavam diante daquela utópica realidade que tanto consumiu seus dias.
Partiram entre  sorrisos e expectativas...
Estenderam a colcha no gramado e sentaram-se preguiçosamente a observar a paisagem, logo vários grasnados fizeram-se audíveis e as araras azuis sobrevoaram aquele local transformando o dia mais belo e inacreditável.
Observou os pássaros e desejou ser livre para alçar voos pelo intangível, balançou a cabeça suavemente sem que ela percebesse para que tais pensamentos fugissem e aproveitasse aquele momento tão especial.
Ela falava o tempo inteiro e não aquietava-se, movimentava-se com graciosidade e a medida que sentia-se a vontade ficava mais bela e interessante.
Espontânea se aproximou para sentir o perfume que exalava suavemente do pescoço, puxou a mão para que fosse sentido seu coração que disparava pela tensão deste encontro.
Sorriu e sentiu a adrenalina percorrer o corpo, seria possível ser real? Ela ainda aludiu que poderia ser um sonho e despertar a qualquer momento...
Deram as mãos e permaneceram em silêncio por poucos segundos que não eram possíveis ser mensurados dado a profundidade dos olhares.
A eletricidade dos desejos era facilmente percebida pelo sorveteiro que passava com seu carrinho azul que sentou em árvore próxima para descansar do sol que começava a queimar a pele, embora o clima estivesse bem refrescante devido aos ventos que acariciavam docemente os cabelos negros que bailavam no ar enfeitiçando-a lentamente.
Navegou naqueles olhos escuros e como em um espelho denso conseguia ver sua forma refletida, não sabia interpretar tantos sinais... Respirava com dificuldade, estava com receio de tocá-la e desaparecer como uma miragem, não conseguia acreditar que após longas viagens, anos perambulando e perdendo-se em inúmeras pessoas, encontraria repouso naquele belo oásis que sempre fora tão intangível e agora estava a um toque de ser seu...
Apenas o som dos pássaros e ela sentou ao seu lado, podia sentir o cheiro da sua pele, parecia estar presa em um caleidoscópio, tantas cores e imagens, uma explosão de magia e aproximaram-se lentamente, olhava para cada detalhe daquele rosto perfeito, cada vez mais perto e o coração apressava-se intensamente, era possível ouvi-lo do outro lado da margem...
A respiração cessou e então seus lábios se tocaram, com os olhos fechados pode sentir a rotação da sua existência exasperada em um único instante, queria puxá-la para perto e senti-la tão intensamente quanto pulsava em cada partícula que vibrava com aquele encontro.
Abriu os olhos e em seu quarto a solidão a aguardava, apenas o gosto de framboesas daquele beijo inundava suas lembranças, sentiu o peso dos anos de todos amantes amargurados em suas mãos e encolheu-se, novamente havia se transportado para lembranças que mais pareciam fantasias.
Olhou o celular e nenhuma mensagem para amenizar... 
Por onde andaria? Estaria quebrada também?
Fragmentos daquele amor cortavam a pele que não sangrava, as lágrimas que secavam nos dutos tornaram-se as areias que afundavam a vontade de viver.
Levantou em busca de água para hidratar a dor e observou devagar o ônibus parar e as portas abrirem, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram... 

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Equilibrista .

O frescor da sua existência tocou meus poros, orvalhando as pétalas de minha rotina.
O desejo contido por paredes que quase toco, recuo.
Analogias estratégicas deleitam-se em jogos linguísticos, protegendo a imagem e o que há de seguro.
O perigo a espreita, todos os danos e conquistas em um suspiro, como uma equilibrista apoiando-se em seus instintos.
Mais um passo adiante e a corda balança, expira e hesita, retroceder é desequilibrar ou não, então rodopeia, lança-se ao ar e abre as mãos, embebedando-se deste caleidoscópio emocional e pousa com as pontas dos pés, na linha que a sustenta e como uma criança atrevida, saltita silenciosamente para não ser vista. 
Sorri e assusta-se.
Segue em sua trajetória, focada em seu eterno [des]equilíbrio. Respira e segura com suavidade sua vara, retorna a  caminhada ecoada por novas emoções. 
O que seus olhos deslumbraram não poderiam ser um farol a libertá-la das águas escuras e calmas que veleja suavemente como em um Ballet, apenas um Grand Pliè, um gracioso tom para embalar a valsa da vida.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Remoto Controle

Meu corpo estremece quando falo seu nome ou me refiro ao nosso passado. 
A visão perde o foco e as lágrimas afogam minha voz que morre nos lábios, lábios que curvam-se de saudades.
Anteontem sua partida estilhaçou meu espelho e os canários que ficaram remetem a segunda partida.
Partiram em pleno outono e inverno, inversamente.
E as madeiras daquela casa arqueadas pelo tempo e com diversas cores desbotadas silenciaram as lembranças, tudo parecia tão distante e estranho, como se nada pertencesse aquele local...
Minha paz revoou para fios delicados  que esticaram e balançam ao peso das dores que fazem repouso em minha luz. 
Anoitece meus sonhos e me recordo:
Daquela bicicleta vermelha e a linha do trem, corridas por entre sepulturas e o chapéu fazendo sombra ao sorriso de meu amado.
Da farda engomada com coturnos lustrados e a imponência de sua altura, tão grande... Era um gigante primeiro amor.
Anoitece meu despertar e me ausento, pois:
Os homens que amei pereceram e com eles meu pôr do sol sereno.