sexta-feira, 20 de julho de 2018

Escorpiana .

Ela tinha olhos tão negros quanto a noite e ao encará-los sentiu seu coração ruindo.
Sentaram ao lado de uma pequena fonte, pediram uma cerveja e acenderam os cigarros, sabiam que em breve haveria conversas complexas, era necessário falar.
Riram do passado e percebeu quanta falta sentiu daquela menina, tudo nela era lindo, a voz suave, o sorriso tímido, os trejeitos ao balançar a cabeça em negação cada vez que ouve um elogio e a maneira que colocava o cabelo atrás da orelha era exatamente igual a década anterior onde tudo começou...
Estava de pé fumando um cigarro, pouco interessada nas pessoas que tagarelava quando a viu sentada no trailer pouco acima de onde estava, paralisada observou a maneira como ela sorria e falava, precisava se aproximar.
A sorte estava com ela e uma de suas companhias a conhecia, saíram para fumar um cigarro e com o coração em saltos prosseguiu ao lado tragando profundamente e absorvendo cada detalhe daquele olhar que era como um céu estrelado.
Tão delicada era que mais parecia uma boneca de porcelana, mas nela havia uma força que emanava das suas cores, era possível perceber algumas tatuagens desenhando sua pele.
Era hora de se despedir e com um breve aceno a menina voltou para o lado do namorado.
Passou dias pensando naquela garota e em como a encontraria.
A rotina tomou sua forma e algum tempo depois mudou para casa de uma amiga e para sua surpresa na esquina aquela menina morava.
Com o tempo tornaram-se próximas, conversavam sobre suas aventuras e bagagens que as vezes pesavam como bolas de canhão a romper o tórax e explodir em lágrimas.
Cada vez que se encontravam havia aquela euforia, um quase tocar e sempre partir, desejava-a e nada dizia, calava-se.
Assistiu os vários romances que a garota protagonizava e como boa expectadora apenas assistia, pessoas indo e vindo, o coração cheio e a boca seca, não conseguia alcançá-la, apenas observar...
Piscou algumas vezes e todas as lembranças foram se esvanecendo e voltou a olhá-la ali diante de si, esticou a mão e se tocaram.
Sairam do bar entre sorrisos e a levou para uma estrada escura, desceu do carro e a convidou para ver o céu que estava espetacular. Ela notou alguns cometas passando e ficaram em silêncio, lado a lado, encostadas no carro e de mãos dadas.
As estrelas brilhavam forte e os corações aquietavam-se.
Estavam em paz.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Framboesas .

Estacionou o carro e acendeu um cigarro, deixou o rádio ligado tocando qualquer coisa, pois não assimilava a letra, apenas a melodia embalava sua alma que apreensiva esperava.
O trânsito nunca fora tão interessante e a espera parecia eterna.
Devagar o ônibus parou e as portas abriram, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram... Um clima magmático surgiu e voltaram ao interior do carro.
Conversas rápidas surgem para esvanecer o nervosismo e seguem sem rumo explorando a cidade em busca de um café.
Sentam-se com o cardápio em mãos numa conveniência precária, as folhas caem pela mesa e entre o desespero contido escolhem seus respectivos desejum. Um café vienense, nome pomposo para um café doce com leite e canela e um macchiato para outro que espera que o desperte daquela letargia que adormece seus dedos.
Olhares fixam-se e examinam cada expressão, os ouvidos absorvem os timbres e palavras e no meio deste enlevo a xícara pende e seu líquido espalha-se pela mesa com uma queda que demora a ser percebida.
O peito se oprime com o deslize, mas a suavidade do sorriso dela tranquilizam seu pavor.
É fascinante observá-la, encantava-se por cada detalhe, sorvia avidamente os segundos compartilhados.
Era impossível acreditar que estavam diante daquela utópica realidade que tanto consumiu seus dias.
Partiram entre  sorrisos e expectativas...
Estenderam a colcha no gramado e sentaram-se preguiçosamente a observar a paisagem, logo vários grasnados fizeram-se audíveis e as araras azuis sobrevoaram aquele local transformando o dia mais belo e inacreditável.
Observou os pássaros e desejou ser livre para alçar voos pelo intangível, balançou a cabeça suavemente sem que ela percebesse para que tais pensamentos fugissem e aproveitasse aquele momento tão especial.
Ela falava o tempo inteiro e não aquietava-se, movimentava-se com graciosidade e a medida que sentia-se a vontade ficava mais bela e interessante.
Espontânea se aproximou para sentir o perfume que exalava suavemente do pescoço, puxou a mão para que fosse sentido seu coração que disparava pela tensão deste encontro.
Sorriu e sentiu a adrenalina percorrer o corpo, seria possível ser real? Ela ainda aludiu que poderia ser um sonho e despertar a qualquer momento...
Deram as mãos e permaneceram em silêncio por poucos segundos que não eram possíveis ser mensurados dado a profundidade dos olhares.
A eletricidade dos desejos era facilmente percebida pelo sorveteiro que passava com seu carrinho azul que sentou em árvore próxima para descansar do sol que começava a queimar a pele, embora o clima estivesse bem refrescante devido aos ventos que acariciavam docemente os cabelos negros que bailavam no ar enfeitiçando-a lentamente.
Navegou naqueles olhos escuros e como em um espelho denso conseguia ver sua forma refletida, não sabia interpretar tantos sinais... Respirava com dificuldade, estava com receio de tocá-la e desaparecer como uma miragem, não conseguia acreditar que após longas viagens, anos perambulando e perdendo-se em inúmeras pessoas, encontraria repouso naquele belo oásis que sempre fora tão intangível e agora estava a um toque de ser seu...
Apenas o som dos pássaros e ela sentou ao seu lado, podia sentir o cheiro da sua pele, parecia estar presa em um caleidoscópio, tantas cores e imagens, uma explosão de magia e aproximaram-se lentamente, olhava para cada detalhe daquele rosto perfeito, cada vez mais perto e o coração apressava-se intensamente, era possível ouvi-lo do outro lado da margem...
A respiração cessou e então seus lábios se tocaram, com os olhos fechados pode sentir a rotação da sua existência exasperada em um único instante, queria puxá-la para perto e senti-la tão intensamente quanto pulsava em cada partícula que vibrava com aquele encontro.
Abriu os olhos e em seu quarto a solidão a aguardava, apenas o gosto de framboesas daquele beijo inundava suas lembranças, sentiu o peso dos anos de todos amantes amargurados em suas mãos e encolheu-se, novamente havia se transportado para lembranças que mais pareciam fantasias.
Olhou o celular e nenhuma mensagem para amenizar... 
Por onde andaria? Estaria quebrada também?
Fragmentos daquele amor cortavam a pele que não sangrava, as lágrimas que secavam nos dutos tornaram-se as areias que afundavam a vontade de viver.
Levantou em busca de água para hidratar a dor e observou devagar o ônibus parar e as portas abrirem, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram...