segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Adeus Magda, as letras e as palavras

 Acredito que minha primeira paixão tenha sido as letras e o mistério do que, quando unidas, significavam. 

Provavelmente, meu primeiro e maior hiperfoco foi a busca pelo sentido, pelo significado, pela representação.

Lembro-me de estar no banco traseiro e observar as letras pelo caminho: "élê-tê-dê-a..." e minha mãe explicava:

- Lê "litida" e significa limitada...

Aquelas letras pintadas de vermelho em um prédio amarelo me envolveram por anos, talvez até hoje.

Em minha casa havia muitos livros, principalmente dicionários, e eu os amava intensamente. Lá havia todas as palavras, seus significados e pronúncia. Dicionários de antônimos e sinônimos com capas duras e vermelhas, páginas amarelas e cheiro de poeira. Dicionários comuns, alguns livros de latim, uma versão capa dura vermelha e páginas amarelas de poemas de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) que tenho até hoje, embora esteja doando todos os meus livros físicos como mudança necessária para 2023, este está entre alguns que talvez fiquem... É muito difícil desapegar e abrir espaço para o novo.

Voltando as letras, aos livros e à infância, minha irmã me ajudou inúmeras vezes com brincadeiras que deviam ser entediantes para ela... "Obrigada, Nar, sempre lhe amarei por isso!"

Estas brincadeiras duravam horas, ela abria o dicionário aleatoriamente e me dizia uma palavra e eu precisava descobrir o significado e soletrar corretamente, quando acertava, ganhava um ponto... Eu ainda amo dicionários, inclusive só escrevo com uma aba do navegador em dicionário de sinônimos, pois um texto rico de palavras diversas sempre me encantaram.

Hoje escrevo sobre esta "obsessão sobre significados e palavras", pois deparei-me com um post fúnebre sobre a morte de  Magda Becker Soares... Quem é Magda? Eu também não conhecia, descobri que é uma grande alfabetizadora e referência na educação...

Mas, o que me inspirou e elevou foi o fragmento de uma fala sua exposta neste post:

"A arma social de luta mais poderosa é o domínio da linguagem."

E esta frase me deu um loop no coração, os olhos encheram de lágrimas e ao enviar a frase para minha esposa, completei:

"Foram as palavras que me salvaram, foram os livros que me levaram para sair e é com o poder das palavras que driblei as limitações do meu autismo até hoje...

As palavras são as armas mais fortes que alguém pode ter, dominar o que as palavras querem dizer e onde podem nos levar é de fato, para minha vida, o maior tesouro e mapa que me guiam."

Falo sempre que eu tenho palavras e é por isso que consigo "dar conta" de algumas trajetórias. Creio que o meu diagnóstico tardio dá-me, principalmente, pelo poder que as palavras e seus significados me deram, a possibilidade de conseguir articular de forma assertiva sobre conhecimentos.

As palavras me salvavam quando escrevia poemas para lidar com a exclusão e a dificuldade em lidar e pertencer a este mundo, as palavras me salvam quando hoje consigo me posicionar e defender minhas ideias, minha familia e minha existência, as palavras me salvam quando aprendo a usá-las de forma gentil e expressar o que sinto para criar vínculos, pontes entre o meu amor e a pessoa a quem me direciono. 

No jogo das palavras, eu me encontro e visto o lugar que mais pertenço... 

Magda estava certa ao dizer que o domínio da linguagem é a arma social mais poderosa, aprender os significados da língua portuguesa me tornou uma guerreira e também uma poeta, eu transbordo o mundo e o que sinto em cada letra que escrevo ou que imagino ao meu redor, dando sentido ao que respiro.

Tantas palavras, tantos sentimentos e tanto a sentir. 

Esta frase inclusive iniciou um grande movimento em mim que apresenta-se neste texto despretensioso e tão significativo para esta autora que diversas vezes "colou" os silêncios de si com letras e rimas.

Adeus, Magda, hoje me despeço e ao mesmo tempo me apresento para conhecer e me transformar com as suas letras e as suas palavras.

Agradeço também a Maria Mortatti por produzir o post e postá-lo.