terça-feira, 28 de novembro de 2023

Poxa!


[...] 

- "Poxa!"

É esse o meu sentimento, poxa! Embora não é um sentimento, mas uma palavra para expressar a energia que percorre minhas células e vibram em meu peito.
Sinto que vou explodir e as lágrimas tocam meus cílios me convidando a transbordar.

...

Ouvi meu nome e pedi um momento, pois iria sair pela catraca e havia o processo em por o crachá, aguardar liberação e então fazer a passagem pelos ferros gélidos que separam um espaço de outro.

Sorri e me aproximei do balcão, havia duas pessoas na portaria e uma delas questionou-me:

- Você quer participar da confraternização...

Eu não ouvi mais nada, meu cérebro paralisou e os pensamentos diziam:

- "Confraternização, se eu quero participar?"

Eu acenei que sim com a cabeça e ela prosseguiu dando as informações: quem estava organizando, qual a data e que iriam alugar uma área de lazer...
Novamente meus pensamentos:

- "Não é uma confraternização formal, é algo entre colegas e eu fui convidada, poxa!"

Ela solicitou meu número e disse que iria me adicionar no grupo de whatsapp e disse que poderia levar minha esposa! Agradeci o convite e vim pisando nas nuvens com esses pensamentos...

"- É a primeira vez que sou convidada sem ser obrigatório..."

"- Será que vou estragar tudo?"

"- Nossa, ninguém se importa se sou lésbica ou autista..."

"- Preciso contar para alguém! Eu fui convidada!"

Escrevo esse texto para contar a alguém que talvez não conheça, mas estou transbordando lágrimas de alegria por me sentir "pertencendo", mesmo sem saber que fazia parte...

Novamente,

- "Poxa!"

[...]

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Com amor, Adeus!



Quando foi que você notou que não era mais importante ou necessário na vida daquela pessoa que quando surge na sua mente enche seu coração de afeto e saudosismo?

Não estou falando sobre amor entre pares, daqueles relacionamentos românticos, mas sobre as amizades que em dado momento foi a última vez que um de vocês de fato se despediu e seguiu.

Eu não pude me despedir apropriadamente na última vez que de fato seria a última vez da nossa ligação... Até nos encontramos outra vez e foi tão estranho olhar nos seus olhos e notar que ali já não (me) reconhecia... Falamos sobre o passado, pois hoje não temos nada a construir... Somos outras pessoas, outras crenças e valores... 

Será que foi quando meu coração partiu e você não me apoiou que nós nos despedimos sem dar adeus? 

Será que foi quando lhe fui sincera sobre o que sentia e discordamos?

Será que nos despedimos um pouco ao longo dos anos e encontros e quando apaguei o último cigarro, nos apagamos também?

Honestamente, eu não sei. Noto que me incomodo com as diversas demonstrações de afetos vazias e ausência constante. Palavras não me sustentam e me causam estranhamento...

Talvez, não possamos hoje encontrar o momento que nosso vínculo acabou, quando de fato nos despedimos sem notar que não voltaríamos a sorrir e viver novas aventuras, apenas contemplar o passado...

Entretanto, hoje eu posso compartilhar, (não para você, mas para mim e aqui), que não temos  nada em comum além de memórias e nossa amizade não existe mais e está tudo bem.

Seguirei lhe curtindo, enviando corações e palavras vazias de saudades e lhe amando no passado, mas sem expectativas ou tristezas por não ser mais a sua primeira ligação quando as coisas vão mal... Você também não é mais a minha primeira ligação quando estou mal e definitivamente, não compartilho mais quando estou explodindo de felicidades...

Eu não sei quando mudamos e tenho fingido que está tudo igual, entretanto, hoje acordei corajosa e preciso lhe dizer:

- Adeus, minha amiga, eu sentirei falta das nossas aventuras e momentos vividos, mas garanto que teremos novas aventuras com outras pessoas e nós seremos uma boa memória, como a fotografia de um momento feliz na infância.



Até que o vento nos encontre, ainda sorrirei ao lembrar de você ♥

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Adeus Magda, as letras e as palavras

 Acredito que minha primeira paixão tenha sido as letras e o mistério do que, quando unidas, significavam. 

Provavelmente, meu primeiro e maior hiperfoco foi a busca pelo sentido, pelo significado, pela representação.

Lembro-me de estar no banco traseiro e observar as letras pelo caminho: "élê-tê-dê-a..." e minha mãe explicava:

- Lê "litida" e significa limitada...

Aquelas letras pintadas de vermelho em um prédio amarelo me envolveram por anos, talvez até hoje.

Em minha casa havia muitos livros, principalmente dicionários, e eu os amava intensamente. Lá havia todas as palavras, seus significados e pronúncia. Dicionários de antônimos e sinônimos com capas duras e vermelhas, páginas amarelas e cheiro de poeira. Dicionários comuns, alguns livros de latim, uma versão capa dura vermelha e páginas amarelas de poemas de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) que tenho até hoje, embora esteja doando todos os meus livros físicos como mudança necessária para 2023, este está entre alguns que talvez fiquem... É muito difícil desapegar e abrir espaço para o novo.

Voltando as letras, aos livros e à infância, minha irmã me ajudou inúmeras vezes com brincadeiras que deviam ser entediantes para ela... "Obrigada, Nar, sempre lhe amarei por isso!"

Estas brincadeiras duravam horas, ela abria o dicionário aleatoriamente e me dizia uma palavra e eu precisava descobrir o significado e soletrar corretamente, quando acertava, ganhava um ponto... Eu ainda amo dicionários, inclusive só escrevo com uma aba do navegador em dicionário de sinônimos, pois um texto rico de palavras diversas sempre me encantaram.

Hoje escrevo sobre esta "obsessão sobre significados e palavras", pois deparei-me com um post fúnebre sobre a morte de  Magda Becker Soares... Quem é Magda? Eu também não conhecia, descobri que é uma grande alfabetizadora e referência na educação...

Mas, o que me inspirou e elevou foi o fragmento de uma fala sua exposta neste post:

"A arma social de luta mais poderosa é o domínio da linguagem."

E esta frase me deu um loop no coração, os olhos encheram de lágrimas e ao enviar a frase para minha esposa, completei:

"Foram as palavras que me salvaram, foram os livros que me levaram para sair e é com o poder das palavras que driblei as limitações do meu autismo até hoje...

As palavras são as armas mais fortes que alguém pode ter, dominar o que as palavras querem dizer e onde podem nos levar é de fato, para minha vida, o maior tesouro e mapa que me guiam."

Falo sempre que eu tenho palavras e é por isso que consigo "dar conta" de algumas trajetórias. Creio que o meu diagnóstico tardio dá-me, principalmente, pelo poder que as palavras e seus significados me deram, a possibilidade de conseguir articular de forma assertiva sobre conhecimentos.

As palavras me salvavam quando escrevia poemas para lidar com a exclusão e a dificuldade em lidar e pertencer a este mundo, as palavras me salvam quando hoje consigo me posicionar e defender minhas ideias, minha familia e minha existência, as palavras me salvam quando aprendo a usá-las de forma gentil e expressar o que sinto para criar vínculos, pontes entre o meu amor e a pessoa a quem me direciono. 

No jogo das palavras, eu me encontro e visto o lugar que mais pertenço... 

Magda estava certa ao dizer que o domínio da linguagem é a arma social mais poderosa, aprender os significados da língua portuguesa me tornou uma guerreira e também uma poeta, eu transbordo o mundo e o que sinto em cada letra que escrevo ou que imagino ao meu redor, dando sentido ao que respiro.

Tantas palavras, tantos sentimentos e tanto a sentir. 

Esta frase inclusive iniciou um grande movimento em mim que apresenta-se neste texto despretensioso e tão significativo para esta autora que diversas vezes "colou" os silêncios de si com letras e rimas.

Adeus, Magda, hoje me despeço e ao mesmo tempo me apresento para conhecer e me transformar com as suas letras e as suas palavras.

Agradeço também a Maria Mortatti por produzir o post e postá-lo.


quarta-feira, 8 de junho de 2022

Pintassilgo ♥

    E em cada canto eu sentia seu olhar, seu sorriso me aquecia nas noites frias e as memórias do seu cheiro me inundavam de saudosas lágrimas.

    Eu quase não me habito desde que lhe conheci, pois sua ausência invade-me e ocupa... 

    Ocupa-me os pensamentos ditosos de um futuro ao seu lado, onde o tempo escorrera entre nossos beijos e os sonhos ganharão vida no encontro das nossas mãos...

    Ah! Como eu lhe amo e anseio-lhe cada segundo, como se nunca fosse o suficiente! 

    Enebria-me a alma seus versos em forma de pintas que desenham paisagens oníricas em seu corpo.

    Leva-me contigo e protege-me de sua falta, pois é nela que me falta o ar... 

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

(des)Encontros

Cada vez mais decidida deixou o perfume e sorriso daquele que sonhava acordado com seus olhos...
Respirava fundo buscando não esquecer nenhum detalhe...
Ela não disse que logo iria, mas resolveu romper antes de decidir. Ele não pediu que ficasse...
Engatou o automático, a abraçou e disse que estava tudo bem... Saiu pesado e se perdeu. Dela não se tem muita certeza...
A semana arrastou, sem notícias, novos jogos e  caminhos... Não sabia se queria percorrer, mas não havia muitas escolhas...
A conversa voltava a fluir pelas tecnologias que protegem as partidas.
Se encontram rapidamente e neste "olá", ela o abraçou [infinitamente], ele viu o seu reflexo no vidro e desligou o momento, se observava e questionava o que sentia ou deveria sentir...
Ela o olhou e ao olhá-la indagou novamente.
Questionava o amor que memorizou e que nutriam por e-mail, já que cartas enamoradas não existem mais. Não que eles fossem românticos.  Entretanto, combinaram que não falariam sobre isso...
Hoje ouviu alguém dizer que ela irá partir e percebe que não lhe contou.
Os olhos arderam e o coração ficou pequeno, queria correr e gritar:
- Fique!
Não que isso mudasse alguma coisa, sabia que ela era difícil e seria impossível demover esta ideia...
Então, acendeu um cigarro, engoliu a vida e foi andando pelo novo percurso...

Ele foi embora sem partir e ela partiria sem ir embora, sem sina ou destino, só acenaram como despedida...

Quando o tempo sobrepor as imagens, os momentos e memórias, eles deixarão de existir...

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Nume .

Andava distraído por caminhos desconhecidos quando ouviu uma leve canção e sentiu-se atraído como nunca havia sido, resistiu e prosseguiu seu caminho, sentindo esvaído, quebrado e sem compreender o que aquela música significava.
Entrou em um estado de angústia indescritível como definiu para si e rolou pela cama e cômodos com a mente em combustão por aquela melodia. Como sete notas enfeitiçavam seus pensamentos?
Mal raiava o dia e já estava pronto para percorrer os mesmos locais a procura daquela sinfonia tão sedutora.
Passou o dia a procurar e o único canto que ouvia era sua mente dizendo o quão insano estava, nada encontrou e novamente entrou em estado de angústia.
Este ciclo permaneceu por um longo tempo, onde foi ocupando a mente, enchendo a alma de cores e ensurdecendo-se aos encantos...
Passaram-se anos e andava distraído por caminhos que já conhecia quando ouviu uma leve canção e sentiu-se atraído como já fora um dia, só que desta vez mais intenso do que podia se recordar, balançou a cabeça e pensou:
- "De novo não!"
Não podia conter suas pernas que caminhavam nervosamente em círculos enquanto seus olhos percorriam suas memórias atrás de um alívio, recusava-se a aceitar esta harmonia incandescente em sua mente, mas ao dar-se conta corria pelo bosque sem direção específica, apenas a batida do coração como uma bússola ditava os passos, a mágica percorria cada célula de seu corpo e nunca se sentiu tão vivo em toda sua existência.
Tropeçou em algumas pedras, mas encontrou a voz que lhe guiava e suspirou, como era linda, delicadamente esculpida, como um anjo, sentiu-se culpado ao observar, pois parecia até um pecado contemplar. 
Ela o encarou e seus olhos reluziram com uma ardência que assustava e envolvia, seria aquilo um aviso?
Graciosamente ela movia-se e continuava a cantar sem mover os lábios, quando se aproximou a divindade sorriu e o coração do homem paralisou por segundos, sua respiração cessou e apenas admirou, não ousava se mover.
Quando a Nume percebeu que o tinha em sua pujança, inclinou a cabeça, jogando os cabelos prateados para trás e com um efêmero movimento atravessou o tórax daquele rapaz e sentiu seu coração que estava paralisado acelerar, nenhum farfalhar de folhas, apenas sua risada cristalina que ainda parecia uma valsa para bailarinas, prensou entre seus dedos e sentiu escorrer o sangue jovial, ela elevou-se no ar com ele e iluminou-se, sua voz ganhou potência e era possível ouvir os ecos daquela silfídea em quilômetros, quando nutriu-se de cada centelha humana, soltou e o corpo caiu por metros até perde-se nas entranhas da selva. Os animais se encarregariam de desmaterializar aquela criatura que servira seu propósito.
O Nume bailava com sua energia pulsante e desaparecia em seguida com a brisa que ia ao norte em busca de novos amores.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Alice .

Ela dizia que eu colecionava histórias de amor, conquistas sem glórias e que não precisava disso...
Olhava aqueles olhos negros no espelho e a sensação de estar perdida invadia, eramos distorções e qual era o reflexo, afinal?
Como uma Alice procurando seu caminho, desfilando por entre desconhecidos e um chá, perseguia meu destino entre novos corpos, vários sorrisos e expressões que nada significavam.
Cada vez que um estilhaço de coração partido caia ao chão, prosseguia minha caminhada, aprendeu a andar e guardar, passar a mão pela face e partir.
Não há nada a se fazer neste momento.
O problema de ser um errante é que há muitas bifurcações e desta vez a dicotomia estava em mim. 
Não sabia que caminho seguir e sentou-se numa rocha, acendeu um cigarro e se questionou por um longo tempo.
Não sabia quem era ou o que deveria fazer. 
Esgotara o sarcasmo com sorrisos amarelos solitários.
Precisava se mover, mas ainda não decidira qual caminho seguir, então resignada com sua impotência mediante as escolhas, caminhou pelo meio, nem lá e nem cá, seguia paralelamente ambos e assim não lidava com nenhum, mas também não vivenciava plenamente nada, nem a si.
Ao escurecer abraçava suas pernas e cantarolava baixo para espantar os maus espíritos.
Não havia um coelho branco a seguir, apenas imagens deleitáveis que revelavam-se a medida que o coração acelerava e boca seca engolia os pedaços que outrora perdera no trajeto.
Qual mão pegar? Qual caminho depositar os seus sonhos?
Ainda perdida prosseguiu, como seria possível optar?
Ouviu novamente aquela risada e uma voz que ecoou pelo bosque: 
" - Você coleciona histórias de amor..."
Sacudiu a cabeça e pensou consigo:
" - Não sabes que a única história possível era com ela?!"
Os olhos endureceram, passou a mão pela face e partiu sem encolher-se.
Resolveu escolher-se.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Escorpiana .

Ela tinha olhos tão negros quanto a noite e ao encará-los sentiu seu coração ruindo.
Sentaram ao lado de uma pequena fonte, pediram uma cerveja e acenderam os cigarros, sabiam que em breve haveria conversas complexas, era necessário falar.
Riram do passado e percebeu quanta falta sentiu daquela menina, tudo nela era lindo, a voz suave, o sorriso tímido, os trejeitos ao balançar a cabeça em negação cada vez que ouve um elogio e a maneira que colocava o cabelo atrás da orelha era exatamente igual a década anterior onde tudo começou...
Estava de pé fumando um cigarro, pouco interessada nas pessoas que tagarelava quando a viu sentada no trailer pouco acima de onde estava, paralisada observou a maneira como ela sorria e falava, precisava se aproximar.
A sorte estava com ela e uma de suas companhias a conhecia, saíram para fumar um cigarro e com o coração em saltos prosseguiu ao lado tragando profundamente e absorvendo cada detalhe daquele olhar que era como um céu estrelado.
Tão delicada era que mais parecia uma boneca de porcelana, mas nela havia uma força que emanava das suas cores, era possível perceber algumas tatuagens desenhando sua pele.
Era hora de se despedir e com um breve aceno a menina voltou para o lado do namorado.
Passou dias pensando naquela garota e em como a encontraria.
A rotina tomou sua forma e algum tempo depois mudou para casa de uma amiga e para sua surpresa na esquina aquela menina morava.
Com o tempo tornaram-se próximas, conversavam sobre suas aventuras e bagagens que as vezes pesavam como bolas de canhão a romper o tórax e explodir em lágrimas.
Cada vez que se encontravam havia aquela euforia, um quase tocar e sempre partir, desejava-a e nada dizia, calava-se.
Assistiu os vários romances que a garota protagonizava e como boa expectadora apenas assistia, pessoas indo e vindo, o coração cheio e a boca seca, não conseguia alcançá-la, apenas observar...
Piscou algumas vezes e todas as lembranças foram se esvanecendo e voltou a olhá-la ali diante de si, esticou a mão e se tocaram.
Sairam do bar entre sorrisos e a levou para uma estrada escura, desceu do carro e a convidou para ver o céu que estava espetacular. Ela notou alguns cometas passando e ficaram em silêncio, lado a lado, encostadas no carro e de mãos dadas.
As estrelas brilhavam forte e os corações aquietavam-se.
Estavam em paz.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Framboesas .

Estacionou o carro e acendeu um cigarro, deixou o rádio ligado tocando qualquer coisa, pois não assimilava a letra, apenas a melodia embalava sua alma que apreensiva esperava.
O trânsito nunca fora tão interessante e a espera parecia eterna.
Devagar o ônibus parou e as portas abriram, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram... Um clima magmático surgiu e voltaram ao interior do carro.
Conversas rápidas surgem para esvanecer o nervosismo e seguem sem rumo explorando a cidade em busca de um café.
Sentam-se com o cardápio em mãos numa conveniência precária, as folhas caem pela mesa e entre o desespero contido escolhem seus respectivos desejum. Um café vienense, nome pomposo para um café doce com leite e canela e um macchiato para outro que espera que o desperte daquela letargia que adormece seus dedos.
Olhares fixam-se e examinam cada expressão, os ouvidos absorvem os timbres e palavras e no meio deste enlevo a xícara pende e seu líquido espalha-se pela mesa com uma queda que demora a ser percebida.
O peito se oprime com o deslize, mas a suavidade do sorriso dela tranquilizam seu pavor.
É fascinante observá-la, encantava-se por cada detalhe, sorvia avidamente os segundos compartilhados.
Era impossível acreditar que estavam diante daquela utópica realidade que tanto consumiu seus dias.
Partiram entre  sorrisos e expectativas...
Estenderam a colcha no gramado e sentaram-se preguiçosamente a observar a paisagem, logo vários grasnados fizeram-se audíveis e as araras azuis sobrevoaram aquele local transformando o dia mais belo e inacreditável.
Observou os pássaros e desejou ser livre para alçar voos pelo intangível, balançou a cabeça suavemente sem que ela percebesse para que tais pensamentos fugissem e aproveitasse aquele momento tão especial.
Ela falava o tempo inteiro e não aquietava-se, movimentava-se com graciosidade e a medida que sentia-se a vontade ficava mais bela e interessante.
Espontânea se aproximou para sentir o perfume que exalava suavemente do pescoço, puxou a mão para que fosse sentido seu coração que disparava pela tensão deste encontro.
Sorriu e sentiu a adrenalina percorrer o corpo, seria possível ser real? Ela ainda aludiu que poderia ser um sonho e despertar a qualquer momento...
Deram as mãos e permaneceram em silêncio por poucos segundos que não eram possíveis ser mensurados dado a profundidade dos olhares.
A eletricidade dos desejos era facilmente percebida pelo sorveteiro que passava com seu carrinho azul que sentou em árvore próxima para descansar do sol que começava a queimar a pele, embora o clima estivesse bem refrescante devido aos ventos que acariciavam docemente os cabelos negros que bailavam no ar enfeitiçando-a lentamente.
Navegou naqueles olhos escuros e como em um espelho denso conseguia ver sua forma refletida, não sabia interpretar tantos sinais... Respirava com dificuldade, estava com receio de tocá-la e desaparecer como uma miragem, não conseguia acreditar que após longas viagens, anos perambulando e perdendo-se em inúmeras pessoas, encontraria repouso naquele belo oásis que sempre fora tão intangível e agora estava a um toque de ser seu...
Apenas o som dos pássaros e ela sentou ao seu lado, podia sentir o cheiro da sua pele, parecia estar presa em um caleidoscópio, tantas cores e imagens, uma explosão de magia e aproximaram-se lentamente, olhava para cada detalhe daquele rosto perfeito, cada vez mais perto e o coração apressava-se intensamente, era possível ouvi-lo do outro lado da margem...
A respiração cessou e então seus lábios se tocaram, com os olhos fechados pode sentir a rotação da sua existência exasperada em um único instante, queria puxá-la para perto e senti-la tão intensamente quanto pulsava em cada partícula que vibrava com aquele encontro.
Abriu os olhos e em seu quarto a solidão a aguardava, apenas o gosto de framboesas daquele beijo inundava suas lembranças, sentiu o peso dos anos de todos amantes amargurados em suas mãos e encolheu-se, novamente havia se transportado para lembranças que mais pareciam fantasias.
Olhou o celular e nenhuma mensagem para amenizar... 
Por onde andaria? Estaria quebrada também?
Fragmentos daquele amor cortavam a pele que não sangrava, as lágrimas que secavam nos dutos tornaram-se as areias que afundavam a vontade de viver.
Levantou em busca de água para hidratar a dor e observou devagar o ônibus parar e as portas abrirem, parou de respirar aguardando, então ela desceu com a mochila ao ombro e jogando o cabelo para trás, perdeu o fôlego ao contemplar. Ela andava em sua direção e as mãos suavam de tensão, um sorriso espelhado abriu a porta e se abraçaram... 

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Equilibrista .

O frescor da sua existência tocou meus poros, orvalhando as pétalas de minha rotina.
O desejo contido por paredes que quase toco, recuo.
Analogias estratégicas deleitam-se em jogos linguísticos, protegendo a imagem e o que há de seguro.
O perigo a espreita, todos os danos e conquistas em um suspiro, como uma equilibrista apoiando-se em seus instintos.
Mais um passo adiante e a corda balança, expira e hesita, retroceder é desequilibrar ou não, então rodopeia, lança-se ao ar e abre as mãos, embebedando-se deste caleidoscópio emocional e pousa com as pontas dos pés, na linha que a sustenta e como uma criança atrevida, saltita silenciosamente para não ser vista. 
Sorri e assusta-se.
Segue em sua trajetória, focada em seu eterno [des]equilíbrio. Respira e segura com suavidade sua vara, retorna a  caminhada ecoada por novas emoções. 
O que seus olhos deslumbraram não poderiam ser um farol a libertá-la das águas escuras e calmas que veleja suavemente como em um Ballet, apenas um Grand Pliè, um gracioso tom para embalar a valsa da vida.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Remoto Controle

Meu corpo estremece quando falo seu nome ou me refiro ao nosso passado. 
A visão perde o foco e as lágrimas afogam minha voz que morre nos lábios, lábios que curvam-se de saudades.
Anteontem sua partida estilhaçou meu espelho e os canários que ficaram remetem a segunda partida.
Partiram em pleno outono e inverno, inversamente.
E as madeiras daquela casa arqueadas pelo tempo e com diversas cores desbotadas silenciaram as lembranças, tudo parecia tão distante e estranho, como se nada pertencesse aquele local...
Minha paz revoou para fios delicados  que esticaram e balançam ao peso das dores que fazem repouso em minha luz. 
Anoitece meus sonhos e me recordo:
Daquela bicicleta vermelha e a linha do trem, corridas por entre sepulturas e o chapéu fazendo sombra ao sorriso de meu amado.
Da farda engomada com coturnos lustrados e a imponência de sua altura, tão grande... Era um gigante primeiro amor.
Anoitece meu despertar e me ausento, pois:
Os homens que amei pereceram e com eles meu pôr do sol sereno.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Dead...

Hoje chorou pela ausência. 
Dor que não pode ser compartilhada ou explicada, é uma abstração tão forte que chega algumas vezes é incompreensível...
Há dias mais difíceis, hoje é um deles, gostaria de discutir que não gosto de me reunir em família para comer e que a reclusão em meu quarto me acalmava, hoje já não me acalma...
Não acho injusto, só estou me adaptando e tem sido complexo...
Ontem tentei a dança da minhoca e consegui, percebo o quanto somos parecidos e o quanto detesto reproduzir algumas coisas...
Aprendi a amar e a afastar contigo...
- "Deleta"
Sempre dizia. Naquele dia estávamos emburrados e nem nos abraçamos, só disse juízo... Devia ter ficado para o show, comprei seu ingresso e teimoso como uma mula não quis ficar, mesmo louco para assistir...
Se ao menos uma vez cedesse, mas seu orgulho era seu escudo... O meu também o é...
Por mais pesado que seja, cuidarei de tudo como sempre me pediu...
De alguma forma me educou para isso, ser forte e não demonstrar...
Hoje expresso, pois não há espaço para esconder tudo o que não consigo esconder...

Brindarei a noite ao meu amor, "agosto" de Deus... Setembro bizarro... Espero que neste Outubro floresça sua força em mim.

Congelada

Naquele dia percebeu que poderia ter chorado, com coração nas mãos e inquietude, verificava todos os meios de comunicação, até observou o céu buscando um sinal de fumaça
Fora ignorada e o que poderia fazer?

"Engolir a vida, sorrir sem vontade e cuidar de si..."

Sucumbe aos estilhaços e inicia a colagem, vai em frente e deixa as indagações, as memórias e os afetos...

Só quer desapegar...

sábado, 13 de junho de 2015

Plumas...

Vivo a passarinhar
de flores em flores
tentando saber, Sabiá.

Inflando o peito,asas planando...

Cantarola, Canário
"Bem-te-vendo" nas lembranças.

Fulgaz, pardalzinho
caçando felicidade, pequeno falcão.

livre águia
não contenta-se com migalhas, só as pombas.

Nasceu para voar rápido
social Bavette,
as vezes Lóris e sua reclusão.

Doce agressivo, caboclinho,
tão majestoso Cardela da Virgínia;
comunica-se Mainá e
ame como um Meiro.

Melancólico como Patativa e Sabiá Laranjeira.

Encanta-me Rouxinol de Pequim

Purpurina alada,Sairá-de-Lenço

Baila em sorrisos, Tangará-dançarino

valente Trinca ferro
ilumina-me como um Tarim

Esplêndido, sua calma e timidez encantam

Voou envolta da minha vida, Agapórnis,
tornou-me Arara Vermelha de Asa Verde,
um Azulão e Diamante de Gould
me aquecendo com seus olhos...

Voa livre, pois odiamos gaiolas
Espero seu sopro de vida
em cada piar trazido com o vento.

Aguardo-o para um ninho
mesmo que diferentes espécies
não entrelacem
Aguardo que seja meu João-de-Barro
e ser seu Pinguim Imperial,
desastrado, barulhento e presente.

Que as asas se encontrem
e as espécies que vivem em nós
sejam a riqueza natural
de um abraço.

Voe passarinho e retorne ao meu abrigo.


segunda-feira, 1 de junho de 2015

O garoto do pier

Ele ficou ali olhando,
o barco partiu no horizonte,
os remos incessantes
levando longe as esperanças.
O Sol deitava-se
nos lençóis marítimos
e o barquinho quase não se via.
O menino sentou encostando os pés na água,
cotovelos apoiados no joelho e as mãos no rosto,
olhava para baixo sem pensar em nada.
Avistou uma ostra
e mergulhou para pegá-la,
ao chegar perto era um ouriço
e ao espetar o dedo
adormeceu em profundo veneno
que lhe cegou...
Não mais esperava o barco.
Agora seu corpo
era uma âncora
em direção ao fundo
para segurar o barquinho...
Segurou-o até o musgo revesti-lo
e a escuridão e frio entorpeciam...
O veneno atingiu-lhe o coração
então, cansou de ser
e tornou-se submarino.
Submergindo das profundezas
em direção a luz...

E o barquinho?
Continuou à mercê das marés...